Cópia de Patologias do desvalimento: o vazio do não ser
- Olivan Liger
- 13 de abr.
- 6 min de leitura
Falar sobre a função do dinheiro em psicanálise é sempre um assunto delicado
quando o texto é aberto ao público leigo. O pagamento dos honorários de um
psicanalista sempre suscita uma dúvida quanto ao mérito do seu trabalho, já que não ocorre ação visível ou mensurável durante uma sessão. A palavra não é ação visto que a palavra está presente em todo e qualquer parte do universo humano, do ato de amar à mesa do botequim e não implica num ato da ordem do real ou imaginário, mas em conjunto e obedecendo a semântica da língua, num constructo da ordem do simbólico.
Em muitas situações escutei pessoas comparando o trabalho analítico a uma boa conversa com um amigo. Sob essa perspectiva leiga, a conversa com um amigo sairá sem dúvida menos onerosa ou sem qualquer ônus financeiro. Entretanto um psicanalista não é amigo, não escuta sob a égide de sua própria história como o amigo o faz e usa de todo um repertório de recursos certamente difíceis de serem usados. Difíceis porque se trata de recursos sutis e que implica na limitação da sua própria pulsão. É como desenhar uma paisagem num grão de arroz, tarefa minuciosa que requer habilidade, paciência e recursos adequados.
Quando se procura uma análise? Quando a vida está em sofrimento excessivo e os recursos internos de quem sofre estão ameaçados de não dar conta da dor. Sendo a vida algo tão precioso, uma análise se torna preciosa quanto lida diretamente com a verdade do sujeito no contexto de sua vida, reduzindo o seu sofrimento e abrindo-lhe novas possibilidades. Se a vida é cara, uma análise não pode ser menos cara, pois trata-se do valor da vida.
Falar sobre a função do dinheiro em psicanálise é sempre um assunto delicado
quando o texto é aberto ao público leigo. O pagamento dos honorários de um
psicanalista sempre suscita uma dúvida quanto ao mérito do seu trabalho, já que não ocorre ação visível ou mensurável durante uma sessão. A palavra não é ação visto que a palavra está presente em todo e qualquer parte do universo humano, do ato de amar à mesa do botequim e não implica num ato da ordem do real ou imaginário, mas em conjunto e obedecendo a semântica da língua, num constructo da ordem do simbólico.
Em muitas situações escutei pessoas comparando o trabalho analítico a uma boa conversa com um amigo. Sob essa perspectiva leiga, a conversa com um amigo sairá sem dúvida menos onerosa ou sem qualquer ônus financeiro. Entretanto um psicanalista não é amigo, não escuta sob a égide de sua própria história como o amigo o faz e usa de todo um repertório de recursos certamente difíceis de serem usados. Difíceis porque se trata de recursos sutis e que implica na limitação da sua própria pulsão. É como desenhar uma paisagem num grão de arroz, tarefa minuciosa que requer habilidade, paciência e recursos adequados.
Quando se procura uma análise? Quando a vida está em sofrimento excessivo e os recursos internos de quem sofre estão ameaçados de não dar conta da dor. Sendo a vida algo tão precioso, uma análise se torna preciosa quanto lida diretamente com a verdade do sujeito no contexto de sua vida, reduzindo o seu sofrimento e abrindo-lhe novas possibilidades. Se a vida é cara, uma análise não pode ser menos cara, poistrata-se do valor da vida.
Na nossa língua, o dinheiro enquanto forma de pagamento, assumiu diversos
significados: - Você há de me pagar (diante de uma ofensa ou agressão); - Me custou o olho da cara (diante de um esforço ou preço muito caro); - O que você fez vai lhe custar caro, - O que aqui se faz, aqui se paga (relação de causa e efeito); - O que você fez não tem preço, é impagável (diante de um feito generoso ou incomum). Pagar pode significar satisfação de uma dívida, assim como recompensar, retribuir (- amor com amor se paga). Pode assumir o significado de expiar pecados ou de uma vingança. Pode pôr em dúvida uma ameaça ou promessa ( Pago para ver). Pagar é remunerar ou desembolsar dinheiro por um serviço prestado ou um bem, antecipadamente (consórcios) ou após a prestação do serviço ou aquisição do bem.
Na bíblia, vamos encontrar a lei do Talião que institui os limites para uma vingança desmedida, fixando o que é justo pagar em função do dano causado: “olho por olho, dente por dente”, assegurando uma proporção justa entre ato e conseqüência. Pode se pagar com o corpo. O direito penal institui o encarceramento do corpo como pagamento de um crime ou delito. Aqui passamos a uma forma diferente de pagamento estabelecida pela lei do Talião, não pagamos com o mesmo bemavariado, ou com a mesma atitude ofensiva (indenização), mas com um equivalente geral de todos os bens: o dinheiro.
O QUE SE PAGA NA ANÁLISE?
Em psicanálise, o pagamento é essencialmente de ordem transferencial, embora seja também a remuneração por um serviço profissional prestado.
Para Oscar Masotta, o pagamento tem como função a valorização da análise, o que, em pontos opostos, a gratuidade do tratamento não geraria a demanda de valorpara o paciente.
No seu escrito Sobre o início do tratamento (1913), Freud adverte sobre os
inconvenientes de um tratamento gratuito, compara essa situação com os efeitos de um grave acidente traumático referindo-se ao dano psíquico causado ao analista por sentir-se sugado, esvaziado, explorado por seu paciente, causando um impacto negativo para a psicanálise e para o tratamento.
Lacan mostra claramente como a introdução do dinheiro muda o cenário utilizando-se da releitura do conto de Edgar Allan Poe: A carta roubada.
O pagamento é uma intervenção no real com a finalidade de reinscrever o
significante fálico, estabelecendo daí a regulação possível e legal dos gozos,
limitando a função de ideal de satisfação materna. A lei do falo estabelece a não
devolução, o não retorno, a não reintegração, o reconhecimento de algo como
perdido e ressignificado como uma dívida na cadeia de filiação, de linhagem.
A posição do analista é a da não referencia: se oferece ao diálogo como alguém
desprovido de características pessoais, despersonalizado e privado de todas as manifestações de seus gostos e opiniões próprias, aproximando-se de uma certa apatia e abnegação, o que, segundo Lacan, se assemelha ao lugar do morto no jogo de bridge, sua posição muda toda a dinâmica do jogo. O analista paga com palavras mediante suas interpretações, com sua pessoa a qual presta suporte para os fenômenos transferenciais, negando-se a consentir o desejo amoroso do seu paciente, utilizando do seu próprio inconsciente e de uma escuta específica para que a análise aconteça. O analista ocupa o lugar de objeto, de onde conduz a análise.
É uma posição que provavelmente ninguém se candidataria a ocupar esse lugar
gratuitamente, pois implica em uma constante manutenção das renúncias pessoais. O pagamento estabelece o limite da posição que, sem sua mediação, tende ao masoquismo, além de permitir ao analista se por no lugar do semblante do objeto “a”, um objeto que demanda o desejo do outro, pulsional por natureza. Também estabelece a forma de retribuição ao desejo do analista, operando na obstrução de outras formas perigosas que impediriam a continuidade de uma análise como a retribuição da demanda amorosa ou erótica do paciente. Na nossa língua há um dizer “se é por dinheiro, não é por amor” que pode caber perfeitamente na compreensão da função do pagamento. Ao analista, se paga com dinheiro e assim se determina um fundamento ético. O pagamento sustenta eticamente a assimetria do lugar do analista e seu analisando.
A ausência do gozo monetário poderá induzir a busca inconsciente de outros gozos do analista que tomem por objeto, o paciente, que poderá estender-se num espectro de conluios corruptos ao discurso do mestre ou até mesmo ao ato erótico. Para o paciente, a não obrigatoriedade do pagamento poderá ser interpretada como uma obscura arbitrariedade do analista, a qual poderá intensificar as resistências transferenciais. Ao paciente cabe pagar com esforço e até sacrifício, o que dá ao valor monetário uma condição singular, pois o que é caro para o paciente necessariamente não significa o valor merecido do tempo do analista.
Pagar uma análise é pagar por tudo que se conquista na vida, por tudo que se faz e pelo que se há de fazer, já que se paga antecipadamente ao resultado no processo analítico. É pagar por algo singular: o acesso à verdade de cada um.
Referências bibliográficas:
CICHELLO, G. Función del dinero en psicoanálisis. Buenos Aires: Editora Letra Viva, 2010
FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. Sobre o início do tratamento: novas
FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: recomendações sobre a técnica da psicanálise I. v.12. 1913.
LACAN, J. (1966) O Seminário sobre “A carta roubada” in Escritos. Rio de Janeiro: Editora J. Zahar, 1998.
MASOTTA, O., Introducción a la lectura de Jacques Lacan. Buenos Aires: editorial Corregidor, 1988.
RAPPAPORT, C. R., HASSAN, S. E., MOLLOY, C. S. Psicanálise – Introdução à praxis
Freud e Lacan. São Paulo: EPU, 1992.
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